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Perdas de água e a sustentabilidade, sob a ótica dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

  • Foto do escritor: Cassiano Simões
    Cassiano Simões
  • 22 de mai.
  • 31 min de leitura

Atualizado: 29 de mai.

Artigo para desenvolver os problemas e impactos decorrentes das perdas de água, de como impactam a sustentabilidade dos sistemas e ainda do êxito da agenda dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)






As perdas de água nos sistemas de abastecimento representam um dos principais entraves à consolidação do desenvolvimento sustentável. Sua ocorrência implica em desperdício de recursos naturais e financeiros, limitações operacionais, pressão sobre os mananciais e dificuldade na universalização do saneamento. Em um contexto global de escassez hídrica, mudanças climáticas e urbanização crescente, os volumes de água não contabilizados se tornam ainda mais críticos, afetando diretamente a eficiência dos serviços e a capacidade das sociedades em avançar nas metas estabelecidas pela Agenda 2030.

Este artigo tem como objetivo aprofundar a discussão sobre como as perdas de água comprometem a consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), retardando avanços essenciais em diversos setores. Para isso, apresenta-se inicialmente uma fundamentação sobre o papel da água no desenvolvimento sustentável e os conceitos-chave que sustentam o debate. Em seguida, são analisadas as interações entre as perdas de água e cada uma das metas do ODS 6, que trata diretamente da água e do saneamento, e posteriormente, as relações indiretas com outros ODS impactados por esse fenômeno.


Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)


A sustentabilidade deixou de ser apenas um conceito aspiracional para se tornar uma diretriz estratégica de planejamento e gestão em escala global. Desde a década de 1990, o avanço das tecnologias, a consolidação de marcos regulatórios e o fortalecimento de redes internacionais de cooperação impulsionaram a formulação de políticas voltadas ao desenvolvimento sustentável. A partir dessa mobilização, foi construída a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), estruturada em 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que se desdobram em 169 metas específicas e são monitorados por 232 indicadores.

Mais do que metas setoriais isoladas, os ODS exigem abordagens integradas e ações articuladas entre múltiplos agentes — governos, empresas, instituições acadêmicas e sociedade civil — em diferentes escalas de atuação. Nesse cenário, a água ocupa uma posição estratégica, transversal a quase todos os objetivos. A eficiência do uso da água, sua disponibilidade e sua gestão têm impacto direto ou indireto sobre áreas como saúde, segurança alimentar, geração de energia, redução da pobreza e preservação ambiental. A dinamica das perdas de água nos sistemas de abastecimento, portanto, deve ser compreendida não apenas como um desafio técnico-operacional, mas como uma barreira estrutural ao alcance de metas amplas e interdependentes.



A Importância da Água no Desenvolvimento Sustentável


A água é essencial para o consumo humano, a produção de alimentos, a geração de energia elétrica, a vida aquática e o funcionamento de cadeias produtivas. Seu valor ultrapassa o campo econômico — estende-se ao ecológico, ao social e ao político. Para compreender de forma mais ampla suas múltiplas dimensões de valor, destaca-se o conceito de Nexo Água-Energia-Alimento, que evidencia a interdependência entre esses três setores fundamentais.

A água é insumo direto para a produção de energia, especialmente em hidroelétricas; é base da produção agropecuária; é utilizada em diversos processos industriais; e, inversamente, o tratamento e a distribuição de água dependem de energia elétrica e de cadeias produtivas complexas. Essas relações implicam que qualquer intervenção em um desses domínios gera impactos diretos nos demais. Com o crescimento populacional, a intensificação dos padrões de consumo e a ocorrência de eventos extremos, como secas e inundações, essas conexões se tornam ainda mais críticas.

Sob a ótica do Nexo, a segurança hídrica, energética e alimentar devem ser tratadas de forma integrada, pois a insegurança em um desses campos compromete os outros. Essa indissociabilidade exige planejamento coordenado e gestão sistêmica para aumentar a eficiência do uso dos recursos e promover soluções sustentáveis. Embora os setores operem de forma articulada, na prática institucional ainda predomina uma fragmentação que reduz a eficácia das ações. Trata-se de uma abordagem que precisa ser superada se a intenção for alcançar níveis consistentes de desenvolvimento sustentável.


As Perdas de Água


As perdas de água nos sistemas de abastecimento de água (SAA) representam um obstáculo significativo à sustentabilidade urbana e à eficiência dos serviços públicos. Os SAA, que consomem recursos naturais e financeiros para atender às demandas de abastecimento humano, comercial, institucional e industrial, operam frequentemente com volumes relevantes de água que não são efetivamente consumidos, gerando impactos técnicos, econômicos e ambientais. Essas perdas, definidas como a diferença entre o volume de água distribuído e o volume efetivamente consumido e faturado, se dividem em duas categorias: perdas reais (físicas) e perdas aparentes (relacionadas a erros de medição e consumos não autorizados).

Há três níveis conceituais amplamente reconhecidos para caracterizar essas perdas:

  • Nível atual de perdas: volume perdido sob as condições operacionais vigentes, gerando prejuízos ao prestador;

  • Nível econômico de perdas: ponto no qual o custo da redução das perdas se iguala ao benefício financeiro obtido;

  • Nível inevitável de perdas: limite técnico abaixo do qual as perdas não podem mais ser reduzidas, independentemente do investimento realizado.


Além desses, observa-se na prática um cenário adicional, ainda não formalizado: o nível de insuficiência para redução de perdas, no qual o prestador, diante de limitações tarifárias, institucionais ou de endividamento, não consegue investir adequadamente no controle de perdas. Embora esse nível não tenha respaldo normativo ou acadêmico, sua ocorrência prática demanda atenção específica voltada para ser mais definida e utilizada no campo da regulação.


Cada SAA possui características únicas — técnicas, administrativas, financeiras e territoriais — o que resulta em níveis distintos de perdas. Os impactos, no entanto, transcendem o SAA isoladamente. A existência de perdas eleva a pressão sobre os mananciais, aumenta o consumo de energia elétrica, intensifica a demanda por insumos químicos, reduz a receita operacional e, consequentemente, limita a capacidade de expansão e modernização dos serviços. Mesmo que um sistema atinja o nível econômico de perdas, isso não significa que ele opere sob condições sustentáveis, no lato sensu, em termos de resiliência ambiental, uso racional de insumos ou segurança hídrica regional.

Grande parte do território brasileiro ainda não universalizou o acesso à água potável, o que torna a expansão do atendimento uma prioridade evidente. No entanto, para os prestadores que já atingiram essa etapa, o foco deve ser direcionado para a elevação da eficiência — em especial, por meio da redução das perdas e da melhoria do desempenho energético. Os dados nacionais demonstram que, mesmo entre os SAA com cobertura universal, há significativa dificuldade em alcançar níveis econômicos de perdas.

As perdas de água têm o potencial de impactar negativamente quase toda a execução da Agenda 2030, que se baseia fortemente na promoção da resiliência. Ineficiências, perdas e desperdícios de recursos dificultam o cumprimento das metas e a promoção do desenvolvimento sustentável. Assim, as perdas de água impedem que sistemas — no lato senso, como cidades e bacias hidrográficas — alcancem um consolidado estado de resiliência e sustentabilidade, desviando-os do sucesso proposto pela Agenda.


Relações entre as perdas de água e o ODS 6


O ODS 6 é sem sombra de dúvidas é o Objetivo sob a maior influência da existência de perdas de água. Esse Objetivo conta com 8 metas que são apresentados em sequência, com as considerações dispostas pela ONU em uma das suas últimas publicações que avaliam o estado dos objetivos e metas.


Resumidamente as considerações da ONU, em 2024, com relação ao estado de atendimento das metas do ODS 6 é:


  • Apesar de haver alguns avanços, o progresso em água e saneamento permanece insuficiente. No ritmo atual, em 2030, 2 bilhões de pessoas ainda viverão sem acesso à água potável gerida de forma segura, 3 bilhões sem saneamento adequado e 1,4 bilhão sem serviços básicos de higiene. Em 2022, cerca de metade da população mundial enfrentou escassez severa de água durante pelo menos parte do ano, e um quarto experimentou níveis "extremamente altos" de estresse hídrico. As mudanças climáticas agravam esses problemas, representando riscos significativos para a estabilidade social. Embora 153 países compartilhem recursos hídricos transfronteiriços, apenas uma região está no caminho certo para implementar acordos de cooperação em todos os rios, lagos e aquíferos até 2030.

  • A gestão sustentável dos recursos hídricos é essencial para a prosperidade e a paz. Isso requer maior financiamento, decisões baseadas em dados, desenvolvimento de uma força de trabalho qualificada, tecnologias inovadoras — incluindo inteligência artificial — e colaboração robusta entre setores. Ações globais coordenadas para a gestão integrada da água, com foco nos impactos das mudanças climáticas e na melhoria da gestão de águas compartilhadas, são fundamentais para alcançar esses Objetivos.



A seguir são apresentas as considerações, embasadas a partir de um amplo quadro conceitual e por avaliações de bancos de dados globais e nacionais, para a relação que as perdas de água possuem para cada uma dessas metas do ODS 6, frente às disposições por parte da ONU dos progressos e estados em que as metas se encontram.


Disposições da ONU para as Metas 6.1 e 6.2

Metas

6.1 - Até 2030, alcançar o acesso universal e equitativo a água potável e segura para todos.

6.2 - Até 2030, alcançar o acesso a saneamento e higiene adequados e equitativos para todos, e acabar com a defecação a céu aberto, com especial atenção para as necessidades das mulheres e meninas e daqueles em situação de vulnerabilidade.


Considerações da ONU em 2024:

  • 2,2 bilhões sem acesso à água potável gerida de forma segura.

  • 3,5 bilhões sem saneamento gerido de forma segura (incluindo 419 milhões que praticam defecação a céu aberto).

  • 2,0 bilhões sem serviços básicos de higiene (incluindo 653 milhões sem quaisquer instalações acessíveis de higiene).

  • 1,8 bilhões sem acesso à água potável dentro de suas residências; mulheres responsáveis pela coleta de água extra domiciliar em 2 de 3 lares.

  • Cobertura universal até 2030 exige aumento de 6 vezes no progresso dos últimos anos para água potável, 5 vezes para saneamento e 3 vezes para higiene.


Considerações para a influência das perdas com as Metas 6.1 e 6.2


Muitas localidades ainda enfrentam a ausência de saneamento universal. As perdas de água em SAA não só diminuem a receita dos prestadores de serviço, mas também limitam investimentos em infraestrutura. Reduzir essas perdas é uma estratégia que melhora as condições operacionais e gera recursos para ampliar os serviços. Quando um mesmo ente gerencia água e esgoto, as receitas do abastecimento podem subsidiar a expansão do esgoto. Assim, combater as perdas de água é crucial para alcançar as metas de universalização.


Disposições da ONU para as Metas 6.3

Meta

6.3 - Até 2030, melhorar a qualidade da água, reduzindo a poluição, eliminando despejo e minimizando a liberação de produtos químicos e materiais perigosos, reduzindo à metade a proporção de águas residuais não tratadas e aumentando substancialmente a reciclagem e reutilização segura globalmente.


Considerações da ONU em 2024:

  • Em 2022, 73 países relataram que 76% das águas residuais geradas receberam algum tipo de tratamento. Entre 42 países que especificaram o nível de tratamento, 60% das águas residuais foram tratadas com segurança (pelo menos tratamento secundário).

  • Em 2023, 56% dos corpos d'água avaliados em 120 países apresentavam boa qualidade. Tendência de degradação na qualidade da água desde 2017 preocupa, especialmente em países de baixa renda.

  • Falta de dados impede alertas, restauração e preservação de serviços ecossistêmicos de água doce.

 

Considerações para a influência das perdas com a Meta 6.3


De considerável ocorrência no Brasil e no mundo, é o fato de o mesmo manancial ser utilizado tanto para o abastecimento quanto para o recebido do efluente doméstico tratado. As perdas de água, sob essa perspectiva, afetam exclusivamente os SAA com fonte superficial, como os rios. A partir da existência das perdas de água, o sistema acaba por captar mais água para compensar tais perdas que, de maneira incessante, acabam por diminuir a vazão a jusante desse ponto de captação. Caso mais a jusante desse ponto de captação haja um ponto de lançamento de efluente, embora esse deva ser devidamente tratado sob condições legais imperativas, a diminuição da vazão do corpo hídrico diminuí sua capacidade de autodepurar os poluentes sobressalentes do efluente lançado.

Essa relação pode configurar, inclusive, um aumento considerável nos custos do tratamento do esgoto para adequá-lo ao lançamento do corpo receptor, sob condições ideias de operação e conformidade. Muito embora essa dinâmica não seja a ideal, é um realidade muito comum em países em desenvolvimento que tendem a ter maiores índices de perdas e atraso na universalização da coleta e tratamento adequado dos esgotos domésticos. Como apresentado para a Meta 6.2, as perdas de água também podem retardar os avanços dos investimentos no serviço de esgotamento sanitário, que consequentemente retardam o avanço da proteção dos mananciais.


Disposições da ONU para as Metas 6.4

Meta

6.4 - Até 2030, aumentar substancialmente a eficiência do uso da água em todos os setores e assegurar retiradas sustentáveis e o abastecimento de água doce para enfrentar a escassez de água, e reduzir substancialmente o número de pessoas que sofrem com a escassez de água;


Considerações da ONU em 2024:

  • Mananciais secando completamente em regiões como Austrália e Nova Zelândia, América Latina e Caribe, e Ásia Central, devido a secas e aumento na demanda hídrica.

  • 18,6% foi o nível médio de estresse hídrico global em 2021. De 2015 a 2021, o estresse hídrico global aumentou 3%, e na África do Norte e Ásia Ocidental, 12%.

  • A agricultura representa 72% das retiradas de água doce, seguida pela indústria (15%) e serviços (13%).

  • A eficiência no uso da água global aumentou de $17,4/m³ em 2015 para $20,8/m³ em 2021 (+19%). 58% dos países ainda têm baixa eficiência no uso da água (< $20/m³).

  • De 2015 a 2021: crescimento de 44% no Leste e Sudeste Asiático, e queda de 7% na América Latina e Caribe.

 

Considerações para a influência das perdas com a Meta 6.4


Quanto menor forem os níveis de perdas de água, maior será a eficiência de toda operação do SAA. Isso implica em uma menor utilização de insumos no processo de tratamento que muitas vezes são não renováveis e possuem cadeias produtivas complexas, dispendiosas e impactantes. Com menos perdas de águas, menores serão os consumos de energia elétrica, desde o sistemas de captação, tratamento e distribuição. Reduzindo-se as perdas de água, também se reduz a quantidade de água retirada do manancial, aumentando assim a sua disponibilidade para outros usos, corroborando parcialmente com a redução do número de pessoas que sofrem com a escassez de água, muito embora esse fato seja mais complexo e mereça uma abordagem em outro artigo. É imprescindível reduzir as perdas de água para o êxito da Meta 6.4.


Disposições da ONU para as Metas 6.5

Meta

6.5 - Até 2030, implementar a gestão integrada dos recursos hídricos em todos os níveis, inclusive via cooperação transfronteiriça, conforme apropriado.


Considerações da ONU em 2024:

  • Apenas 43 de 153 países com águas transfronteiriças têm acordos operacionais cobrindo 90% ou mais desses recursos em 2024. Mais de 20 países não possuem nenhum acordo desse tipo.

  • O mundo não está no caminho para atingir a meta de 91% até 2030.

  • Avanços notáveis na África Subsaariana, com 16 países cobrindo 90% de suas bacias transfronteiriças; progresso limitado na Ásia, América Latina e Norte da África.

  • 59% não têm estratégias conjuntas de adaptação às mudanças climáticas e 64% não implementaram estratégias conjuntas de redução de riscos de desastres.

  • Desde 2020, apenas 10 novos acordos de cooperação foram adotados para águas transfronteiriças previamente sem cobertura. Cobertura total até 2030 exige avanço significativamente acelerado.


Considerações para a influência das perdas com a Meta 6.5


Os países possuem diferentes meios de gerenciar seus recursos hídricos. No Brasil, os recursos hídricos são gerenciados por um sistema de negociação, diferente do sistema de mercado, em que de maneira mais prática: quem detém o direto de uso é quem está mais disposta a pagar pela água.

Um dos princípios do sistema de negociação é a promoção dos usos múltiplos da água, embora implícita legalmente e na praticidade, o uso para o abastecimento público possuí preferência dentre os demais em casos de conflitos. A partir disso, a existência de perdas de água e como resultado o aumento do volume captado para realizar o abastecimento implicam em aumento de conflito pelo uso da água com demais usuários. Conflito que poderia ser evitado caso os SAA possuíssem menores perdas de água.

Além disso, há ainda a possibilidade de conflito entre os próprios SAA em casos que compartilham do mesmo manancial, pois caso um sistema mais a montante perca muita água na sua distribuição, este tenderá a captar mais do que efetivamente seria necessário, reduzindo assim a disponibilidade para os SAA que estejam a jusante desse primeiro, e isso pode ocorrer sucessivamente. A partir disso, é possível reconhecer que a existência de perdas de água é capaz de agravar os conflitos pelo uso da água, e consequentemente o êxito da Meta 6.5.


Disposições da ONU para as Metas 6.6

Meta

6.6 - Até 2020, proteger e restaurar ecossistemas relacionados com a água, incluindo montanhas, florestas, zonas úmidas, rios, aquíferos e lagos.


Considerações da ONU em 2024:

  • Países com maior integração na gestão hídrica são mais resilientes a mudanças climáticas, perda de biodiversidade e poluição.

  • Exemplos de sucesso mostram que integrar a gestão hídrica no planejamento climático e financeiro promove resiliência e avanços em objetivos como alimentação, energia e ecossistemas.

 

Considerações para a influência das perdas com a Meta 6.6


A restauração de ecossistemas, necessariamente, envolve a utilização de água, e poderiam ter seus processos de restauração acelerados a partir de uma maior disponibilidade hídrica que seria oriunda da redução das perdas de água.  Adicionalmente, maiores captações de volume de água, passível de ser reduzido, contribuem com a redução das vazões de cursos superficiais que são os próprios habitats ou recurso essencial para manutenção de um outro ecossistema.

A necessidade de reservação de água bruta, por meio de barramentos em mananciais superficiais, produz áreas alagadas que também alteram o equilíbrio ecológico. Ainda, existe a possibilidade de haver SAA que caso fossem operados com menores perdas de água, a reservação de água não fosse necessária, ou ao menos o volume a ser reservado pudesse ser reduzido, acarretado menores impactos sobre o meio ambiente oriundos da implementação do reservatório artificial.


Disposições da ONU para as Metas 6.a e 6.b

Metas

6.a - Até 2030, ampliar a cooperação internacional e o apoio à capacitação para os países em desenvolvimento em atividades e programas relacionados à água e saneamento, incluindo a coleta de água, a dessalinização, a eficiência no uso da água, o tratamento de efluentes, a reciclagem e as tecnologias de reuso;

6.b - Apoiar e fortalecer a participação das comunidades locais, para melhorar a gestão da água e do saneamento.


Considerações da ONU em 2024:

  • 43% dos países não têm sistemas de alerta contra enchentes; 63% carecem de sistemas para secas.

  • O índice global de gestão integrada subiu de 49% (2017) para 57% (2023), longe da meta de 91-100% até 2030.


Considerações para a influência das perdas com a Metas 6.a e 6.b


Tendenciosamente, os países em desenvolvimento apresentam maiores índices de perdas de água que poderiam ser mais rapidamente reduzidos com a cooperação e capacitação para o combate às perdas de água, pela contribuição dos países desenvolvidos. Como muitos SAA se encontram em uma situação de insuficiência financeira e técnica para a gestão das perdas de água, um auxílio externo se faz, muitas vezes, extremamente necessário para que esses SAA deficitários possam emergir dessa situação.

É imperativo que haja maiores incentivos legais e suportes financeiros para o combate às perdas de água, especialmente vindo dos países desenvolvidos, que endossaram com mais veemência a Agenda dos ODS, especialmente sob o contexto do quão prejudiciais as perdas de água podem ser para o êxito dos demais Objetivos. Que desenvolveremos mais a seguir.

 

Relações entre as perdas de água e demais ODS


Para a água, que apesar de ser um recurso matriz de praticamente todos os outros recursos, não poderiam ser feitas relações para a totalidade dos ODS da Agenda, especialmente pela forma que foram estruturados e dispostos. Dentro do contexto das perdas de água e de seus impactos – diretos e indiretos – é possível desenvolver uma discussão sobre como as perdas de água podem influenciar negativamente no desenvolvimento sustentável e no êxito dos demais ODS. É possível destacar a influência das perdas de água para os ODS 1, 2, 3, 7, 9, 11, 12, 13, 15 e 17, que tratam, respectivamente, sobre: Erradicação da Pobreza; Fome Zero e Agricultura Sustentável; Saúde e Bem-estar; Energia Limpa e Acessível; Indústria, Inovação e Infraestrutura; Cidades e Comunidades Sustentáveis; Consumo e Produção Responsáveis; Ação Contra a Mudança Global do Clima; Vida terrestre; e Parcerias e Meios de Implementação.

Muitas das considerações específicas que foram feitas para as diferentes Metas do ODS 6 podem se relacionar com os outros ODS, mas há também relações que não estão diretamente associadas. A seguir são apresentas, de mesmo modo, as disposições da ONU pelos seus relatórios de acompanhamento em 2024, juntamente com as minhas considerações a respeito da relação existente entre as perdas de água e os demais ODS.

 

Disposições da ONU para o ODS 1, em 2024

  • A pobreza extrema global aumentou em 2020 pela primeira vez em décadas, atrasando o progresso em 3 anos. Até 2030, 590 milhões de pessoas podem continuar em pobreza extrema se as tendências atuais persistirem.

  • Apenas 30% dos países devem alcançar a meta de reduzir a pobreza pela metade até 2030, sem aceleração significativa.

  • Em 2023, 1,4 bilhão de crianças estavam sem proteção social devido a lacunas de cobertura.

  • Mudanças climáticas e desastres agravam a pobreza, mantendo famílias presas a essa condição.

  • Erradicar a pobreza exige proteção social ampla, políticas inclusivas, investimentos em capital humano, resiliência climática e cooperação internacional.

 


Considerações para a influência e relação das perdas com o ODS 1


Já é amplamente discutido sobre os problemas causados pela pobreza, tanto para as diversas populações sob tais condições quanto ao meio ambiente. O desenvolvimento sustentável é inteiramente pautado em aumento da resiliência dos sistemas, no lato sensu, e diminuição da vulnerabilidade das populações. A COVID-19 deixou evidente que milhões de pessoas se encontram em situação de vulnerabilidade e que diversos Estados não possuem resiliência para suportar crises com impactos globais, que exercem pressão nos sistemas produtivos, de saúde e de segurança, acarretando aumento da condição de vulnerabilidade dessas populações, especialmente nos países em desenvolvimento.

A elevação da pobreza foi mais acentuada em países em desenvolvimento, que apresentam, tendenciosamente, maior ocorrência de perdas de água, sejam elas físicas pela condição deficitária de gerir os ativos ou comerciais por meio de furtos, advindo, geralmente, de populações que residem em moradias irregulares, e muitas vezes, legalmente, não podem ser servidas pelo serviço de abastecimento de água. Desse modo, há uma relação entre pobreza, que conduz às populações a residirem irregularmente e que possuem demanda de água, como todo ser vivo, e buscam sanar essa demanda de algum modo.

A existência de furtos de água, oriunda das condições de pobreza, diminui a capacidade de manutenção dos SAA, que por muitas vezes possuem pouco ou quase nenhum controle direto sobre a realidade que o condiciona a ser furtado. Embora o furto seja um meio de atender a demanda por consumo de água existente, essa modalidade é capaz de incentivar um consumo em excesso, pela ausência de cobrança, que de maneira prática, produz impactos similares aos das perdas físicas, em que não há qualquer aproveitamento real dessa água tratada.

As questões associadas a essas dinâmicas são extremamente amplas e delicadas, abordá-las apropriadamente requereria um artigo próprio para isso, que poderá ser produzido futuramente.

 

Disposições da ONU para o ODS 2, em 2024

  • Em 2023, 733 milhões de pessoas enfrentaram fome, e 2,33 bilhões sofreram insegurança alimentar moderada a severa.

  • 148 milhões de crianças menores de 5 anos sofreram de baixa estatura em 2022; projeções indicam que 1 em 5 crianças será afetada até 2030.

  • 60% dos países enfrentaram preços alimentares elevados em 2022, influenciados por conflitos e cadeias de suprimentos interrompidas.

  • Erradicar a fome exige sistemas alimentares sustentáveis, resilientes e equitativos, além de melhorias aceleradas em dieta, nutrição, saúde e higiene.

 

Minhas considerações para a influência e relação das perdas com o ODS 2


Sob a ótica do Nexo Água-Energia-Alimento, fica evidente a influência que a água possui com a produção de alimentos. A existência de perdas de águas pode ser relacionar diretamente com o potencial de produção de alimentos nas áreas adjacentes dos centros urbanos, sendo áreas estratégicas para produção ao considerar questões logísticas, inclusive, que muito se relacionam com a esfera energética. Evidentemente que maior parte dos alimentos consumidos em todo o mundo são produzidos em áreas distantes dos centros urbanos, contudo há de se reconhecer que as produções locais e próximas dos centros urbanos possuem considerável influência no contexto de segurança alimentar. Geralmente as produções de alimento nos arredores dos centros urbanos são realizadas pelos sistemas de agricultara familiar, que geralmente apresenta condições reduzidas de produzir respostas mais rápidas e eficientes frente as pressões ambientes, quando comparadas com os grandes produtores.

As cadeias produtivas de alimentos, há um certo tempo, consolidaram-se globalmente, sendo extremamente dependentes  da disponibilidade hídrica, energética e de solo. De maneira geral, os países em desenvolvimento são a maior fonte de alimento no mercado globalizado em função do superavit de produção, sendo que estes tendem a apresentar maior insegurança alimentar, e também, como já comentado, os que apresentam maiores índices de perdas de água.

De fato, um estado de segurança alimentar global pode ser uma das idealizações, para o momento atual, mais factíveis por demandarem mais de condições não estruturais do que estruturais para ser alcançada. Contudo, a realidade de que a segurança alimentar se alcança juntamente com a segurança hídrica e energética, implica que a redução das perdas de água para promoção da segurança hídrica são capazes de contribuir em parte com o avanço da segurança alimentar global, especialmente nos casos de produção próximos aos centros urbanos.

 

Disposições da ONU para o ODS 3, em 2024

  • A pandemia de COVID-19 reverteu 10 anos de progresso na expectativa de vida global.

  • Indicadores de saúde estão melhorando, mas insuficientemente para atingir as metas de 2030.

  • A razão de mortalidade materna permanece 3 vezes acima do objetivo para 2030.

  • Em 2022, mortes de crianças menores de 5 anos atingiram uma mínima histórica, mas o progresso desacelerou; 35 milhões de crianças podem não alcançar os 5 anos de idade até 2030.

  • Mais da metade da população mundial carece de serviços de saúde essenciais, enquanto a demanda cresce devido ao envelhecimento populacional e da força de trabalho.

  • Garantir a cobertura universal de saúde sem dificuldades financeiras é crucial para o bem-estar global.

  • Mudar o curso exige fortalecer sistemas de saúde, investir em prevenção e tratamento e abordar desigualdades de acesso para populações vulneráveis. 

 


Considerações para a influência e relação das perdas com o ODS 3


Para ilustrar de maneira direta a relação entre perdas de água e saúde humana, tomemos como exemplo a COVID-19, maior crise sanitária do mundo globalizado, que teria como profilaxia a lavagem das mãos, método indisponível para milhões de pessoas que não possuem acesso ao saneamento básico. Em diversas publicações e estudos são encontrados resultados demonstrando os ganhos à saúde por meio do saneamento básico, configurando-se como um investimento frente aos gastos que se tem com a saúde, que obviamente devem existir, mas que poderiam ser evitados quando há maior abrangência e eficiência dos serviços de saneamento. Existem diversas doenças de veiculação hídrica sendo contraídas e disseminadas ao redor do mundo em função da ausência de saneamento básico.

Entendo que é possível afirmar que: não há como ter êxito no ODS 3 sem que haja a universalização do saneamento. E como já colocado, a universalização do saneamento pode ser alcançada mais eficiente e rapidamente com a promoção da redução das perdas de água.

  

Disposições da ONU para o ODS 7, em 2024

  • O número de pessoas sem acesso à eletricidade caiu de 958 milhões (2015) para 685 milhões (2022).

  • O número sem acesso a combustíveis limpos para cozinhar reduziu de 2,8 bilhões para 2,1 bilhões no mesmo período.

  • A capacidade global de geração de energia renovável está crescendo em um ritmo sem precedentes, tendência que deve continuar.

  • Eventos como a pandemia de COVID-19 e a guerra na Ucrânia atrasaram o progresso, incluindo a redução de fluxos financeiros internacionais para energia limpa em países em desenvolvimento.

  • Sem mudanças, em 2030, 660 milhões ainda estarão sem eletricidade, e 1,8 bilhão sem combustíveis limpos para cozinhar.

  • Atingir o acesso universal até 2030 exige políticas robustas, como: acelerar a eletrificação, aumentar a eficiência energética, ampliar investimentos em energia renovável, promover inovações e regulamentos favoráveis.

 


Considerações para a influência e relação das perdas com o ODS 7


O Brasil é país que representa intrinsicamente o Nexo Água-Energia-Alimento. Em 2022, a geração de energia elétrica para o país representava cerca de 61% da matriz elétrica nacional e a agropecuária consome a maior parte da água doce do país, sendo 50,5% destinada à irrigação e 8,1% para dessedentação animal. O país ainda conta com o setor da agropecuária representando quase 22% do PIB nacional.  Poucos países no mundo possuem uma matriz elétrica tão fortemente dependente da água, como também seja capaz de produzir consideráveis exportações de alimentos.

A dinâmica de geração de energia elétrica tem mudado muito. No Brasil as gigantes hidroelétricas já foram praticamente todas implementadas, havendo pouquíssimo potencial para novos empreendimentos de grandes portes. Há agora uma nova tendência para pequenas produções hidroelétricas, sem implementação de grandes reservatórios ou até mesmo qualquer reservação, aproveitando os potenciais naturais com menores intervenções. São justamente esses aproveitamentos que se beneficiam ainda mais com um contexto de redução das perdas de água dos SAA que fazem captação superficial. Quanto maiores as disponibilidades hídricas, maiores os potenciais de geração de pequenas usinas ao longo de todo território.

Outro fator de considerável interesse para o ODS 7 que se relaciona com a perdas de água é que quanto menores as perdas de água, menores os consumos de energia elétrica. Contribuir com a redução da demanda de água tratada (especialmente pela compensação das perdas de água), é contribuir com a diminuição da demanda de energia elétrica. O Brasil conta com o Sistema Interligado Nacional (SIN), configurando uma grande cadeia de oferta e demanda de energia elétrica. É possível considerar que as perdas de água em todos os SAA do território implicam em maiores demandas, e consequentemente em maior produção, que por várias vezes não ocorre somente por fontes renováveis ou não poluentes.

Os custos de se produzir água potável e de energia elétrica estão intrinsicamente ligados e são extremamente significativos aos sistemas de saneamento. Os SAA são responsáveis por 3% a 7% do consumo anual de energia elétrica global. No Brasil os SAA são responsáveis por consumir cerca de 2% de toda energia elétrica produzida. Essa parcela de consumo poderia ser ainda mais reduzida se todos os SAA operassem ao menos nos níveis econômicos de perdas de água. 

 

Disposições da ONU para o ODS 9, em 2024

  • Desde 2022, o crescimento do setor manufatureiro estagnou em cerca de 2,7%, tendência que deve persistir até 2024 devido aos impactos da pandemia de COVID-19 e tensões geopolíticas.

  • O setor de média e alta tecnologia manteve sua participação no valor agregado da manufatura em cerca de 46% em 2021.

  • Pequenas empresas enfrentam desafios significativos, como acesso limitado ao crédito, especialmente na África Subsaariana e nos Países Menos Desenvolvidos (LDCs); apenas cerca de 17% têm acesso a empréstimos ou linhas de crédito.

  • Apesar da redução na intensidade de emissões de dióxido de carbono (CO₂), as emissões globais atingiram um recorde histórico.

  • Acelerar o progresso rumo ao Objetivo 9 exige promoção de industrialização inclusiva e sustentável; fomento à inovação por meio de maior investimento em pesquisa e desenvolvimento; priorização e aceleração da transição verde; facilitação do acesso à tecnologia de informação e comunicação.

   

Considerações para a influência e relação das perdas com o ODS 9


A redução das perdas de água está diretamente ligada com o aprimoramento de infraestruturas resilientes, capazes de operarem com maior sustentabilidade. A infraestrutura de um sistema de abastecimento apresenta vida útil, tanto pelas condições materiais quanto pela capacidade operacional, frente as demandas crescentes. Sob uma perspectiva de sustentabilidade, de perpetuação contínua ao longo do tempo, a vida útil dos ativos é relativamente baixa, sendo necessárias constantes manutenções e atualizações para que o sistema, num todo, mantenha-se em condições operacionais.

É necessário que haja fomento de inovações para encontrar meios físicos e tecnológicos (estruturais) e metodologias de gestão (não-estruturais) para que a vida útil dos ativos de um sistema desenvolvam maior longevidade. Como exemplo de inovações estruturais, podemos destacar as válvulas redutoras de pressão que visam reduzir as pressões, e consequentemente, as perdas de água. Essas, que possuem a finalidade de quebrar parcela da pressão (energia potencial), já evoluíram para novos dispositivos que não só reduzem parte da pressão, mas também geram energia elétrica no processo. Para ilustrar ações não-estruturais, pode-se destacar o desenvolvimento dos sistemas em softwares de modelagem hidráulica, que podem gerar um gêmeo digital do sistema existente e prover avaliações extremamente otimizadas para gerenciar os ativos com estratégias de redução de perdas de água e aumento da eficiência energética.

Ambos os exemplos apresentados advém da crescente demanda por melhorias e avanços do setor, que não só propiciam melhorias diretas para os SAA, mas também fomentam uma variada cadeia produtiva de bens e serviços associados à prestação do serviço de abastecimento de água.

Cabe reconhecer, também, que a redução das perdas de água é capaz de aumentar a disponibilidade hídrica local, oportunizando a implantação de novas industrias, dependentes do insumo universal: água.


Disposições da ONU para o ODS 11, em 2024

  • Mais da metade da população mundial vive atualmente em cidades, que enfrentam desafios complexos. Cerca de 25% da população urbana global vive em favelas, totalizando 1,1 bilhão de pessoas em 2022.

  • O acesso equitativo ao transporte público é uma preocupação, especialmente nos Países Menos Desenvolvidos, em que 40% têm acesso conveniente.

  • Apesar da redução nos níveis de poluição do ar na maioria das regiões, eles permanecem acima das diretrizes recomendadas para proteger a saúde pública.

  • Apenas 40% dos moradores urbanos têm fácil acesso a espaços públicos abertos.

  • Entre 2000 e 2020, as cidades se expandiram até 3,7 vezes mais rápido do que se adensaram, impactando negativamente o meio ambiente e o uso do solo.

  • Com a urbanização crescente, é projetado que 70% da população mundial viverá em áreas urbanas até 2050. 

  • Desenvolver infraestrutura robusta, moradias acessíveis, sistemas de transporte eficientes e serviços sociais essenciais é crucial para criar cidades resilientes e sustentáveis que atendam às necessidades de todos.



Considerações para a influência e relação das perdas com o ODS 11


Embora exista o nível econômico de perdas de água, é possível que o sistema não opere em condições de sustentabilidade, frente ao quanto se extraí de água e quantidade de insumos que são consumidos no processo de tratamento de água. A relação de se configurar um nível econômico, está mais associado ao sistema tarifário e custos operacionais vigentes sob o controle do prestador do serviço, e não necessariamente se o sistema se encontra em condições de sustentabilidade macro, na perspectiva do meio ambiente. O atendimento do nível econômico diz mais sobre a sustentabilidade financeira da companhia prestadora do serviço, do que da sustentabilidade da bacia hidrográfica em que o sistema se insere.

Na ótica mais profunda de sustentabilidade, o sistema só poderia ser considerado como sustentável ambientalmente, a nível global, caso esteja no nível inevitável de perdas de água. É claro que para isso se tornar uma realidade universal, o nível econômico de perdas de água deveria se igualar ao nível inevitável. E claro que, no momento atual, isso não passa de uma idealização, frente a realidade vigente. Porém cabe o reconhecimento dessa dinâmica, caso o foco seja a implementação de sistemas, no strito senso, que operem em vias sustentáveis, capazes de se perpetuar ad infinitum. Para atingir esse nível ideal, só será possível se o primeiro passo for dado, que é reconhecê-lo como possível e assim identificar o que é necessário para se tornar realidade.

Toda a dinâmica de uma cidade, sua manutenção e perpetuação, dos indivíduos, dos comércios, estabelecimentos públicos, e até industrias são dependentes diretos do sistema de abastecimento de água. Desse modo, é possível reconhecer que nenhuma cidade poderá ser realmente sustentável caso seu sistema de abastecimento de água não seja sustentável.

Como já comentado anteriormente, mais comum em países em desenvolvimento, diversas cidades possuem populações residentes em moradias irregulares que por vezes praticam furtos de água, embora não seja uma regra absoluta e de que também existem diversos casos de moradores regulares adeptos a essa “modalidade”. Contudo, cabe reconhecer que o prestador do serviço possui pouco (se não, nenhum) controle sob o fato de haver uma população residente em moradias irregulares e que praticam furtos, sendo esse fato de maior responsabilidade do titular do serviço: os municípios (governos locais, para fins globais). Dessa problemática se derivam diversos impactos em cadeia nos sistemas urbanos, sendo possível reconhecer que uma grande quantidade das ações, ao menos no Brasil, estão voltadas para atenuação ou mitigação desses impactos, não na solução da problemática inicial.

Dessa cognição é possível reconhecer que a sustentabilidade do sistema de abastecimento é dependente da sustentabilidade da cidade, assim como a sustentabilidade da cidade é dependente da, do sistema de abastecimento. Mas cabe também entender que na persecução, as condições universais de habitação regulares devem preceder, alinhadas, é claro, de condições de regulação e fiscalização adequadas.

 

Disposições da ONU para o ODS 12, em 2024

  • Países avançaram no cumprimento de acordos internacionais sobre resíduos perigosos e degradação ambiental.

  • O consumo e a produção insustentáveis ainda são uma realidade global.

  • Em 2022, o desperdício alimentar atingiu 1,05 bilhão de toneladas, mas apenas 9 de 193 países incluíram este tema em suas Contribuições Nacionalmente Determinadas.

  • O consumo doméstico de materiais e as pegadas materiais continuam a crescer, embora em ritmo mais lento.

  • Disparidades regionais destacam a necessidade de intervenções específicas para padrões variados de consumo e impactos ambientais.

  • Alcançar o Objetivo 12 exige a promoção de modelos de economia circular, práticas de produção sustentável e consumo responsável. Essas estratégias podem reduzir o uso de recursos e combustíveis fósseis, fomentar a inovação, conservar energia e mitigar emissões.

  • O progresso depende de marcos regulatórios sólidos, incentivos financeiros e campanhas de conscientização pública.

 

Considerações para a influência e relação das perdas com o ODS 12


Os SAA possuem diversos insumos para garantir a produção de água tratada, sendo esses oriundos de diversas cadeias produtivas. A redução das perdas de água não influenciam diretamente como os insumos são extraídos do meio ambiente e produzidos industrialmente. Contudo, são capazes de elevar uma demanda, passível de ser reduzida, por esses insumos. Embora os produtores dos insumos utilizados pelos SAA se beneficiem com essa demanda maior oriunda das perdas de água, não é possível que as perdas de água estejam se perpetuando em todos os SAA para garantir seus interesses.

Outros diversos setores se beneficiam da existência do desperdício. Nos moldes de produção de consumo atual, o desperdício impulsiona a geração de renda momentânea, sendo um fator atenuante da existência das perdas no geral, mas que configura em macro escala temporal, um direcionamento contrário à sustentabilidade.

Todas as cadeias produtivas fazem uso direto ou indireto da água. A partir disso, a redução das perdas de água eleva a disponibilidade hídrica local que pode favorecer e influenciar as cadeias regionais, e por sua vez, globais, dada a consolidação da produção global.

 

Disposições da ONU para o ODS 13, em 2024

  • Recordes climáticos foram quebrados em 2023, com a crise climática se acelerando em tempo real. As temperaturas continuam subindo, e as emissões globais de gases de efeito estufa seguem em alta. 

  • Comunidades em todo o mundo enfrentam desastres climáticos mais frequentes e intensos, afetando vidas e meios de subsistência. 

  • Subsídios a combustíveis fósseis alcançaram um recorde histórico em 2023. 

  • É crucial que todos os países acelerem transformações econômicas de baixo carbono para evitar custos econômicos e sociais crescentes. 

  • Ações devem cobrir todas as economias e gases de efeito estufa, alinhando-se ao limite de 1,5°C de aumento da temperatura global.  Para evitar o caos climático, é necessário reduzir drasticamente as emissões globais até 2030 e alcançar emissões líquidas zero até 2050. 

  • Ações rápidas e decisivas são indispensáveis para conter o aquecimento global e evitar os piores impactos climáticos. 

 


Considerações para a influência e relação das perdas com o ODS 13


Em função do que é avaliado e mais bem aceito até o momento, as mudanças climática são advindas das diversas ações humanas sobre o meio ambiente, em especial pela esfera de consumo energético. Como já abordado, os SAA são fortemente dependentes de eletricidade que em diversos países tem majoritariamente suas fontes elétricas oriundas de fontes não renováveis e poluentes. Em função disso, qualquer perda de água envolve necessariamente maiores consumos elétricos, e energéticos. Sob os moldes de produção de matriz energética e elétrica, é correto afirmar que as perdas de água contribuem para a intensificação das mudanças climáticas.

Existem diversos estudos que fazem uso de modelos preditivos para diferentes cenários de continuidade dos padrões de emissão e a consequente elevação da temperatura média do planeta, com as subsequentes mudanças nos ciclos hidrológicos. Nos piores cenários, que de certa maneira são os mais prováveis de se desenvolverem ao longo dos próximos anos sob uma baixa redução dos padrões de emissão, é estimado que por volta de 2080 haja uma redução de até 40% da precipitação média na Bacia do Paraná, por exemplo. Essa redução de precipitação se reverterá em menor disponibilidade hídrica, aumentando ainda mais a pressão nas bacias hidrográficas com elevadas demandas, tanto para o abastecimento quanto para os demais usos.

Caso essa redução venha a ocorrer, os sistemas de produção de energia hidroelétrica também poderão se encontram em menores capacidades de produção, gerando um desbalanço entre oferta e demanda e também um desperdício dos recursos financeiros alocados para os empreendimentos e uma menor compensação dos danos ambientais causados pelas barragens implementadas, em função da redução da disponibilidade hídrica e subsequente geração elétrica.

 

Disposições da ONU para o ODS 15, em 2024

  • A área florestal global continua a diminuir, principalmente devido à expansão agrícola, apesar de avanços na gestão sustentável.

  • Espécies estão se extinguindo silenciosamente, enquanto a proteção de áreas fundamentais para a biodiversidade estagnou.

  • O tráfico ilícito de vida selvagem aumentou de forma constante, ameaçando a biodiversidade e os benefícios que ela oferece.

  • Países estão implementando instrumentos de acesso e repartição de benefícios e integrando valores da biodiversidade em sistemas nacionais de contabilidade.

  • Ação urgente é necessária para enfrentar desafios ambientais, como mudanças climáticas, perda de biodiversidade, poluição, desertificação e desmatamento. Resolver essas questões exige esforços intensificados e integrados em níveis locais, nacionais e globais.

 

Considerações para a influência e relação das perdas com o ODS 15


A capacidade de manutenção de diversos ecossistemas terrestres e de água doce está diretamente relacionado com a disponibilidade hídrica que pode ser elevada com a redução das perdas de água, em especial dos SAA que fazem captação em mananciais superficiais.

Há uma relação já comprovada que a presença dos aglomerados florestais são capazes de contribuir consideravelmente com os índices de precipitação local e regional, e até mesmo de outras regiões, como seria o caso para grande Floresta Amazônica. Com maiores precipitações, maior a disponibilidade hídrica, e consequentemente, maiores as capacidades de manutenção dos diversos ecossistemas.

Cria-se desse modo uma relação entre perdas de água, maiores consumo de água, menor disponibilidade hídrica imediata local, menor capacidade de manutenção dos ecossistemas, menor a disponibilidade hídrica prolongada regional, até mesmo como observado pela pressão gerada pelo aumento da temperatura em função das mudanças climáticas.

 

Disposições da ONU para o ODS 17, em 2024

  • Países em desenvolvimento enfrentam um déficit de investimento anual de US$ 4 trilhões para alcançar os ODS. 

  • Fluxos de investimento estrangeiro direto para países em desenvolvimento diminuíram, enquanto os ganhos em remessas foram modestos.

  • Níveis de dívida externa permanecem altos, com cerca de 60% dos países de baixa renda em alto risco de sobre-endividamento ou já enfrentando dificuldades.

  • Em 2023, 67% da população mundial estava online, um aumento de 69% em relação a 2015, mas 2,6 bilhões de pessoas ainda carecem de acesso à Internet. Investimentos em infraestrutura e acesso à Internet acessível são cruciais para o desenvolvimento inclusivo.

  • Lacunas de financiamento ameaçam a resiliência dos sistemas estatísticos em países em desenvolvimento.

  • Cooperação internacional em declínio e tensões geopolíticas crescentes exigem parcerias globais fortalecidas para lidar com lacunas de financiamento, reforçar a recuperação pós-pandemia e promover o desenvolvimento sustentável, especialmente nos países menos desenvolvidos e vulneráveis.


 

Considerações para a influência e relação das perdas com o ODS 17


Quando se coloca em perspectiva a sustentabilidade do planeta, é impossível desvincular o papel de liderança dos países desenvolvidos, especialmente pelos impactos que esse já causaram e pela consolidação econômica que tiverem frente aos países em desenvolvimento.

De maneira geral, com algumas exceções, os países desenvolvidos apresentam baixas disponibilidade hídricas, porém elevados recursos financeiros disponíveis para investimentos em infraestrutura. Sendo esse um dos principais fatores que os conduzem a possuir baixos índices de perdas, além de questões culturais envolvidas.

Para que o mundo se encontrem em um patamar real de sustentabilidade, é imprescindível que haja uma considerável redução dos índices de perdas de água em todos os sistemas do planeta, inclusive para atender os ODS nos prazos estipulados, que seriam em 2030. Para isso, seria muito sensato que os países desenvolvidos contribuíssem com os, em desenvolvimento para que esses possam universalizar o saneamento e reduzir suas perdas de água mais rapidamente. Isso seria possível por meio de linhas crédito mais acessíveis e por participação técnica  nas ações voltadas para essa busca.

Embora, obviamente, os principais responsáveis pela redução das perdas de água sejam os próprios prestadores que gerenciam os ativos, e do sistema legal que propicia a diversidade dos meios de prestação do serviço e regulação de como isso é feito, é possível reconhecer que os principais entraves da redução das perdas de água sejam recursos financeiros disponíveis, especialmente em sistemas em situação extremamente deficitária, e falta de recurso técnico, que também é influenciada pela falta de recurso financeiro.

Sendo exatamente nesse fator limitante que os países desenvolvidos poderiam atuar, contribuindo com os países em desenvolvimento, para assegurar melhor a busca pela universalização global do saneamento e redução das perdas de água, o quanto antes possível e de maneira mais eficiente.

 

Considerações finais


Este artigo teve como objetivo demonstrar como as perdas de água impactam a sustentabilidade, tanto do planeta quanto dos sistemas de abastecimento de água, observada de maneira prática no cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Ao longo da leitura, foi possível evidenciar a amplitude e a transversalidade do problema, articulando as perdas de água a metas específicas e estruturais da Agenda 2030. A análise mostrou que sua persistência compromete desde os esforços de universalização até a governança dos recursos naturais. Assim, compreender as perdas exclusivamente por métricas operacionais — como uma % do volume captado e faturado — é insuficiente e reducionista para a realidade do problema. Elas devem ser interpretadas como uma condição crítica, com implicações sistêmicas que afetam a trajetória do desenvolvimento sustentável em diferentes escalas.

As perdas de água afetam de forma direta todas as metas do ODS 6, mas também impactam, de maneira menos evidente e mais difícil de quantificar, metas associadas a outros Objetivos. Como sustentado ao longo do texto, esses efeitos não são marginais — são estruturais. A negligência com essa condição compromete a efetividade de políticas públicas voltadas à saúde, educação, segurança alimentar, energia, igualdade e meio ambiente. Nesse contexto, o controle de perdas deve ser entendido como um eixo sinérgico: seu enfrentamento potencializa os avanços em outras metas e Objetivos, e a atuação integrada em frentes como ampliação da cobertura, melhoria da qualidade e aumento da eficiência é não apenas viável, mas urgente.

No entanto, os dados e o ritmo atual de execução das políticas públicas indicam que, para muitos países em desenvolvimento, as metas da Agenda 2030 não serão alcançadas. No caso brasileiro, observa-se um quadro de avanços pontuais, mas com tendência à estagnação estrutural. A existência de um prazo definido — 2030 — parece ter pouco efeito concreto sobre a velocidade ou a articulação das ações. As iniciativas seguem em um ritmo condicionado pelas restrições institucionais e operacionais, como se os objetivos pudessem ser cumpridos apenas com o tempo, e não por meio de compromissos coordenados. A Agenda, que deveria servir como indutora de transformação, se apresenta hoje mais como um sistema de avaliação do que como um mecanismo político mobilizador. A ausência de articulação estratégica entre os Estados e os setores envolvidos enfraquece a potência transformadora da proposta.

A tolerância às perdas de água acima do nível econômico reflete a limitação de uma racionalidade institucional que ainda prioriza o equilíbrio contábil em detrimento da integridade e perenidade dos recursos ambientais. Enquanto o uso da água continuar sendo avaliada sob um arranjo de métricas financeiras, suas perdas seguirão sendo naturalizadas — não como falhas sistêmicas, mas como custos inevitáveis. Governar com responsabilidade exige ultrapassar essa visão reducionista e assumir a água como infraestrutura ecológica essencial à própria sustentabilidade.


Principais Links para conferência do que foi abordado


  1. Link oficial da UN (ONU) para o relatório de 2024 dos SDG (ODS)


  1. Link para Banco de Dados oficial da ONU


  1. Link Publicações 2024 do ODS pelo IPEA


  1. Link do Mapa interativo dos ODS pelo Sustainable Development Report (SDR)


  1. Link do DASHBOARD do SNIS para avaliar mais o cenário brasileiro

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